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Folia em Colinas do Sul - catiras e curraleiras

Egrimont Wagner Teixeira Neto e Ícaro Fernandes Nogueira Brito

A utilização dos recursos audiovisuais em pesquisas antropologicas se transformou em um campo fértil de produções e discussões que datam desde a década de 1940 na antropologia norte-americana na figura de Gregory Batson e Margareth Mead. Desde então, tais ferramentas não apenas mencionam referências, mas ressoam vozes, cantos e ritmos a partir da lente do antropólogo. Na temática de manifestações da cultura regional, as instituições responsáveis pelo folclore e preservação do patrimônio produziram importantes acervos etnográficos fazendo uso destes instrumentos. As congadas, folias de reis, batuques de terreiro possuem seu lugar nos arquivos e museus erguidos pelo esforço de antropólogos, históriadores, geografos, músicos.

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Neste sentido, as folias de Nossa Senhora do Rosário e Divino Espirito Santo representa um importante festejo da cultura regional goiana. No presente documentário apresentamos recortes do desenvolvido no trabalho de campo acerca do festejo da Caçada da Rainha, reconhecida pela comunidade como um importante momento que mobiliza a todos para sua realização. Entre a solidariedade e o conflito, a fartura e o desperdício, a memória e o esquecimento, este festejo acontece como uma maneira de reincenar evocações da memória histórica e coletiva dos colinenses (natural de Colinas do Sul) sobre a assinatura da lei a áurea pela princesa Isabel. Os fragmentos aqui apresentados como uma colcha de retalhos que busca vislumbrar uma parte desse complexo circuito cultural da Caçada da Rainha, traz as apresentações de catiras e curraleiras, executadas por foliões durante os Giros de Cima e o Giro de Baixo, que correspondem a trajetos de peregrinação que os foliões percorrem os pousos  que os acolhem aos arredores do Município de Colinas do Sul.

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O território selecionado se localiza dentro da Chapada dos Veadeiros, e às margens do lago Serra da Mesa. Cercada pelos córregos Almécegas e Igrejinha, seu povoamento remonta a sequentes diásporas, iniciadas com o esvaziamento do extinto Arraial de São Félix, a fuga de escravos, e a migração consequente do esgotamento da exploração do ouro no final do século XVIII; chegando à construção do lago Serra da Mesa ao final dos anos 80, e ao hodierno fluxo turístico na Chapada dos Veadeiros, puxado por Alto Paraíso e pela Vila de São Jorge, seus vizinhos. Com raízes firmadas num solo que muitos acreditam estar assentado sob uma gigantesca placa de quartzo, Colinas do Sul é espaço de insignes tradições criadas e mantidas pelo seu povo. De notável semelhança com a sussa, cantada e tocada entre as comunidades kalungas vizinhas, em Colinas é observada uma brincadeira chamada de curraleira. As brincadeiras ocorrem durante os pousos de folia, após os tradicionais e fartos jantares oferecidos pelos anfitriões do pouso. Em retribuição pela oferta de pouso e de alimento, os foliões cantam e dançam a curraleira, contando histórias e causos sobre as pessoas da cidade, zombando tanto de comuns, quanto de autoridades. As brincadeiras têm início com a cantoria de modas de viola, seguidas pelas palmas e pisados da catira. Percorrendo as estradas cavaleiras saindo de Vila Borba, até a chegada em Colinas do Sul, os foliões carregam a bandeira do Divino Espírito Santo, e por onde passam levam suas rezas, cantorias e pisados de botina. Chamadas de ‘giro’, as folias percorrem os lugarejos encravados entre serras e rios, a jornada que atualmente varia de nove a onze dias, chegava a durar mais de vinte dias. Para os foliões, os ‘giros’ são tratados como obrigações a serem pagas ao mundo espiritual, algumas vezes com aparições de antepassados foliões que lhes expressam a necessidade de serem responsáveis por puxar o giro de folia. Embora com fortes ligações com a Igreja Católica, há quem expresse que a folia é a própria religião, pois foi através dela que, especialmente moradores da zona rural, realizaram sua evangelização e tiveram seu contato com a espiritualidade.

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Para além de um apoio descritivo ao campo, o curta metragem tem por fim reviver sensações, visualizar cenários paisagisticos, ressoar ritmos e cantigas que alegram, envergonham, emocionam e recordam os foliões de multiplas temporalidades, experiências vividas desde sua infância em meio a foliões, rememorando, reinventando e reproduzindo práticas, conhecimentos, técnicas e saberes que atravessam séculos de resistência da cultura goiana pelas mãos e bocas colinenses.

Descrição dos materiais: O trabalho de campo antropológico é a abordagem que subsidia as imagens e áudios utilizados no curta metragem, apresentando parte do contato com os interlocutores e do percurso realizado nas visitas. As entrevistas de profundidade e semiestruturadas seguindo um roteiro de temas de interesse para a pesquisa. Com visitas agendadas a fim de estabelecer diálogos acerca a trajetória de vida, identidade narrativa, e memória dos foliões de Colinas do Sul - GO. Entrevistas rápidas também foram utilizadas, as abordagens em momentos do festejo ocorreram eventualmente nas visitas aos pousos de folia. As técnicas de gravação foram executadas com recursos tecnológicos de baixo custo e acessíveis, celulares e gravadores convencionais foram os equipamentos utilizados para a captação do material audiovisual. Técnicas de recorte para a seleção estratégica dos momentos reproduzidos no documentário.

Sobre os autores

Egrimont Wagner Teixeira Neto

Aluno do bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, hoje mestrando em Antropologia Social no programa de pós-graduação da mesma instituição. Ao longo de sua trajetória de pesquisa focou em temáticas relacionadas ao patrimônio, em especial, os patrimônios imateriais relacionados à alimentação, assim como a relação entre alimentação e turismo.

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Ícaro Fernandes Nogueira Brito

Aluno do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás, com raízes em Colinas do Sul, instigado pela curiosidade proporcionada pela vivência e a experiência acadêmica, pesquisa de forma autônoma a memória, os costumes e as tradições do nordeste goiano.

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