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Ensaios Fotográficos

Capela do Sinhozinho em 12 de outubro

Wellington Luiz de Marchi

Bonito é uma cidade com pouco mais de 20 mil habitantes, localizado a duzentos e noventa e oito quilômetros de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, tendo as principais fontes de renda, o turismo, consolidado inclusive como melhor destino de ecoturismo do Brasil , e o agronegócio.

Nos anos 1940-1944 , surge um homem simples, com poucos recursos e com um toque misterioso, que peregrinava na zona rural e pela cidade de Bonito-MS, miscigenando a lenda e a realidade, Sinhozinho ganha notoriedade pregando ensinamentos religiosos sem falar uma única palavra, realizando milagres e curando utilizando apenas cinzas e água. Com um manto longo, braço esquerdo sempre escondido, de estatura alta, alimentando-se apenas de frutas, mandioca, mel e peixe, de origem e destino desconhecidos até os dias atuais.

A fé, a devoção, a história e seus mitos, permanecem até os dias atuais, notado principalmente entre os mais idosos da cidade.

Os feitos, contos, estórias e tudo que envolve Sinhozinho, os relatos da população, os milagres realizados, o mistério de sua origem e do seu paradeiro, a mudez, tornam Sinhozinho uma figura popular, como é possível destacar através de inúmero conteúdo na internet, seja em sites de entretenimento, ressaltando seu viés ficcional, seja em produções de artigos e livros, buscando seu registro científico/investigativo. Nessa perspectiva, todo mistério proporcionado pela passagem de Sinhozinho em Bonito, e o imaginário popular envolto, podem ser compreendidos através da investigação do imaginário popular, da fé pelos seus seguidores.

Mesmo com o passar dos anos e com todo acesso a informações que a tecnologia contemporânea nos proporciona, as realizações de Sinhozinho, permanecem ecoando e se materializando através da devoção de seus fiéis. A maioria dos fiéis hoje, se tornaram devotos como uma herança geracional, no entanto, possui ainda, alguns fiéis que presenciaram o Sinhozinho em sua passagem por Bonito.

Existem algumas festas e ritos, que se tornaram parte do calendário desses fiéis, como a peregrinação a uma das Capelas construídas por ele onde há sempre ao menos uma cruz, construída pelo próprio Sinhozinho. A “Capelinha”, tornou-se o principal ponto de peregrinação, realizado anualmente, sempre no dia 12 de outubro.

As imagens aqui selecionadas, trata-se de recortes realizados durante um trabalho de campo realizado no dia 12 de outubro de 2021 na Capela do Sinhozinho, e pertencem a um trabalho maior que busca descrever quem é o Sinhozinho nos dias atuais, tanto para os devotos quanto para os não devotos e a sua importância para a comunidade local.

Crespo

Sara Eugênia

Após ingressar no Programa de Pós-graduação Interdisciplinar em Direitos Humanos em 2019, iniciei pesquisa de Mestrado com enfoque em construções identitárias, transição capilar e narrativas de mulheres negras. A pesquisa foi orientada pela antropóloga Luciana Oliveira Dias e ouviu um total de oito mulheres negras sobre suas relações com o cabelo, o corpo, racismo e construções identitárias. Durante a pesquisa, as mulheres foram ouvidas em grupos focais e suas narrativas constam como fonte de pesquisa na Dissertação defendida em 2021 junto ao PPGIDH. A pesquisa também previu que um ensaio fotográfico fosse realizado com essas mulheres, a fim de captar suas visões de beleza sobre o próprio corpo, especificamente sobre seus cabelos. A ideia era que os grupos focais fossem fotografados respeitando a maneira como cada mulher gosta de usar seu cabelo, e que cada uma construísse para a sessão de fotos sua própria vestimenta, a partir de tecidos disponibilizados no dia da sessão, deixando, portanto, que criassem de forma espontânea a forma como queriam ser fotografadas. Buscou-se assim que cada um pudesse expressar na fotografia sua noção de beleza do próprio corpo e cabelo. Após, as fotos seriam disponibilizadas durante nova sessão de encontro dos grupos focais para que as mulheres pudessem dialogar acerca dos sentimentos de adequação ou inadequação que possuíam acerca dos próprios cabelos ao se verem nas fotografias profissionais. Essa segunda etapa não pode ser concluída a tempo da defesa da dissertação em função da pandemia do novo Coronavírus, motivo pelo qual está sendo apresentada agora no formato dessa exposição. Com o objetivo de geral um diálogo sobre os corpos negros, beleza, racismo e movimentos de construção de identidade.

Desvanecer

Coletivo Bunker

No ano de 2021, nós, José Neto (PPGAS/UFG)  e Julliana Oliveira (PPGACV/UFG), cursamos a disciplina “Antropologia da Vida diante da Catástrofe”, do Programa de Pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Goiás, ministrada pelas professoras Indira Caballero (UFG), Suzane de Alencar (UFG) e o professor Alejandro Fujigaki (UNAM). Já nas primeiras sessões fomos apresentados à obra “As Artes de viver em um planeta degradado” (tradução nossa) organizada pela antropóloga estadunidense Anna Tsing, os antropólogos Heather Swanson e Nils Bubandt, bem como pela artista Elaine Gan. A obra é um convite a percorrer um passado no presente, bem como vislumbrar um futuro que se antecipa e se revela em fantasmas e monstros.

A disciplina tinha como proposta a escrita de um texto. Como fazemos parte de um coletivo de artistas, fizemos a proposta às/aos professoras/es de escrevermos o trabalho como Coletivo Bunker e apresentar também um trabalho visual. Assim nasce o ensaio fotográfico “Desvanecer”, uma reflexão sobre os modos de estarmos no mundo na lógica do antropoceno. A experiência de realização do ensaio foi singular, pois havia naquela circunstância tanto um olhar observador, de interlocução como uma ação performática. O percurso de realização do ensaio foi descrito da seguinte forma: os meus olhos percorriam a paisagem, de alguma forma estranha, pois era a primeira vez que pisava naquele local. O sol estava em ritmo de entrega à noite, já eram quase 18 horas, e no solstício de inverno, as noites são mais longas e chegam mais rapidamente. O sol ainda penetrava a copa das árvores, reluzindo e produzindo desenhos de sombras ao chão. Pude perceber muitas folhas novas, pois o cerrado encontra sua força de brotação nos tempos secos. Flores amarelas e outras vermelhas bem pequenas se insinuavam pelo caminho, uma beleza que não precisa de aprovação. Caminho? O caminho, enquanto desenho na paisagem, é uma construção que revela um traço humano. Pude perceber pegadas que revelaram que em algum momento aquele lugar fora surpreendido pela presença humana.

Segui observando, notei em meio às folhas algumas garrafas de vidro, e em outros momentos algumas de metal. Talvez algum encontro tenha acontecido naquele cenário. Percebi também a presença de cercas de arame farpado. Ah, a cercas, elas se introduziram na paisagem delimitando a posse, sacramentando o território, eis a lógica  do antropoceno.

Eu era um corpo errante naquele espaço e parecia que de alguma forma ele reconhecia o significado da minha presença, afinal, a minha lógica, ou a lógica que eu represento, sempre foi de monólogo com os sons que ressoam por toda parte. No antropoceno nós deixamos de compreender essa língua tão singular, àquela que não possui palavras: são cheiros, ruídos, cores e sensações.

Desde longe eu ouvia um barulho de água, e pelo seu ritmo ela percorria um caminho pedregoso. Caminhei até encontrá-la, e naquele momento a luz que se desnudava e banhava-se no seu interior, ofuscou os meus olhos. Lindo! Saquei a máquina e tirei uma fotografia. É assim que lidamos com o belo, é assim que exercemos nosso poder, desejo de posse, de aprisionamento, sem permissão ou licença.

Posicionei todo equipamento e queria que minha presença fosse um corpo somente, então desnudei-me. A sensação da brisa percorrendo meu corpo, da água por sobre os pés e do constrangimento de estar ali, vulnerável e ao mesmo tempo tentando uma conexão perdida, me colocou num hiato entre o estranho e o familiar, entre peso e leveza.

A ideia era que meu corpo se comportasse na imagem como um espectro, mas que de alguma forma algo fosse sólido nessa imagem, as pegadas. Mas sempre que meus pés tocavam a areia, ela regressava de alguma forma ao ponto inicial, como se quisesse negar minha presença, negar meu percurso. Então, percebi que precisaria exercer uma força maior para que o sinal dos meus pés ficasse naquele lugar. Sabe, que imagem fantástica da nossa relação com a natureza. Muitas vezes não queremos coexistir com ela, mas queremos existir acima dela, submetendo-a sob nossos pés, como se nossa presença fosse forjada numa hierarquia de importâncias, e que nessa linha estávamos em primeiro lugar.

Após finalizar o ensaio, pude refletir sobre essa experiência, que neste momento não era somente estética, mas era profundamente reflexiva e existencial; ressoavam as leituras, as discussões e o olhar etnográfico que estava aprendendo a fazer.

As fotografias mostravam um espectro sem tempo, caminhando como fantasmas do futuro. Naquele momento, pude observar que a catástrofe pode não ser o fim de tudo, pelo contrário, pode ser o fim da nossa imagem na paisagem. O que restará? Talvez somente vestígios, pegadas. Naquelas imagens eu era um corpo desaparecendo, era um corpo fantasmagoricamente diluído na paisagem, mas estava lá, como memória de um futuro, como sinal de um passado e como desnudamento de um presente.

Entre comidas, presenças e distâncias

Ana Clara Sousa Damásio dos Santos

Devido ao fluxo de pessoas indo e vindo em-de Canto do Buriti-PI, há famílias que se ramificam entre o mundo e a origem. Muitas vezes essas famílias origem-mundo podem estar presentes fisicamente apenas em momentos muito específicos do ano. As idas dos parentes do mundo para a origem são marcadas, principalmente, pelas férias que as pessoas assalariadas possuem do mundo. Geralmente esses momentos são em junho e em dezembro. Nessa volta para a origem um espaço da casa passa a ser protagonista na confecção de reagregação e presença dessas famílias, a cozinha. Uma substância passa a ser lida como a ordenadora da vida e do cotidiano dessa família que procura estar presente, a comida. Assim, o presente ensaio visual pretende discutir, a partir da etnografia, como é através da comida que as relações de parentesco que podem estar diluídas são reforçadas e atualizadas através da presença constituída em volta da cozinha.

 

Ao chegar em Canto do Buriti em dezembro de 2021 para a reunião de fim de ano da minha família, fui recebida por minha avó (76 anos), minha mãe (55 anos) e minha tia Itamar (irmã da minha avó/66 anos). Além delas, outras parentes como minhas primas e tias também estavam presentes. Pude perceber, logo no início e com o andar do tempo em campo, a ausência dos homens no principal espaço em que nós passávamos o dia, a cozinha. Ademais, vale ressaltar que nenhum dos três filhos da minha avó que estavam em São Paulo e Distrito Federal voltaram para a reunião da família. Meu avô materno e marido da minha avó, já havia falecido. Os únicos homens que frequentavam a casa eram justamente o irmão da minha avó e tia Itamar (o tio Carlindo/76 anos) e o irmão do meu falecido avô, tio Orácio (79 anos). Mas a visita desses parentes era sempre esporádica, rápida, corrida. O cotidiano da casa da minha avó era feito por mulheres, e como eu disse, mulheres que passam o dia todo na cozinha.

 

A partir do cenário apresentado, o objetivo do presente ensaio é justamente considerar como, a partir da etnografia com as mulheres da família Silva Sousa que ficam entre a origem e o mundo, elas fazem família, relacionalidades e espessam suas relações de parentesco nessas reuniões através do compartilhamento de substâncias, no presente caso, a comida (Carsten, 1995). A intenção é apontar como é através da comida, da presença na cozinha e do ato de comer juntas, que memórias de parentesco são reforçadas e atualizadas (Carsten, 2014a, 2014b). Será possível vislumbrar como a cozinha é um espaço de memória alimentar e reagregação familiar. Ao mesmo tempo, acompanharemos como essas mulheres vivem as vidas umas das outras, constroem multiafetamentos relacionais a partir da comida, do comer e produzem ligas relacionais que perduram (mesmo na distância física quando voltam para suas respectivas casas no mundo).

Manifestações Culturais da Cidade de Cezarina

Rosana Maria Lopes

As manifestações culturais, são os modos de expressões artísticas vivenciadas por diferentes povos, durante a construção do município de Cezarina. Atualmente essas manifestações ainda existem e fazem parte da cultura do povo cezarinense. Podemos percebê-las principalmente em suas manifestações religiosas como: a Folia de Reis e a comitiva de carros de bois   que marcha rumo a Trindade. Essas manifestações foram construídas durante a formação do município, quando a Família Franco resolveu lotear suas terras, assim, outras famílias por ocasião do loteamento começaram a residir na então Vila Cezarina. As famílias residiam em fazendas, seus encontros na maioria das vezes ocorriam durante a celebração de missas religiosas. Há 35 anos esse município foi emancipado, mas a tradição de ir a Trindade com a comitiva e os carros de bois, a celebração das missas e da Folia de Reis, continuam nas raízes históricas do povo cezarinense.

Marajoara

Alysson Camargo

Em 2018, fiz uma pesquisa de campo na Ilha do Marajó sob coordenação do artista e fotógrafo Luiz Braga. A produção deste fotógrafo se tornou tema do meu TCC na minha graduação em História da Arte na UnB e da minha dissertação de mestrado em Antropologia Social na UFG. Sempre gostei da relação dialógica entre pintura e fotografia, e  busquei ao longo das minhas experiências fotográficas manchar as fronteiras entre essas duas linguagens. Nesse ensaio estava especialmente interessado nos diversos elementos que atravessam o Carimbó, ritmo musical que mistura influências europeias, africanas e indígenas, seja na música, dança e na estética dos figurinos. Estas fotografias foram realizadas no Ateliê Arte Mangue Marajó, na Ilha do Marajó - PA.

O acesso dos quilombos à universidade pública

Fatima Tertuliano

As políticas de ações  afirmativas específicas para estudantes quilombolas na Universidade Federal de Goiás (UFG) se faz presente dentro da instituição, que cria condições para que os estudantes vivam o mais próximo de sua realidade histórica, além de criar espaços para facilitar a introdução dos mesmos no ambiente acadêmico.

 

A falta de reconhecimento tanto acadêmico quanto do ser é uma das temáticas tratadas neste trabalho. sofrimento e resistência que perpassam suas trajetórias, quatro irmãos estudantes negros quilombolas da UFG.  O objetivo foi analisar a relação existente entre os conceitos de representatividade, subjetividade e resistência a partir das narrativas deste grupo partindo  dos espaços e políticas de ações afirmativas por eles acessadas.   

 

Os estudantes reclamam que ainda que a UFG se declare inclusiva está longe de estabelecer o nível de inclusão necessária para que eles se formem de forma íntegra. Há por trás desse ensaio fotográfico  a trajetória socioespacial desses estudantes que vêm de comunidade tradicional para conviver em um espaço excludente e que faz questão de lembrá-lo diariamente que não foram preparados para estar ali. 

 

As ações afirmativas por si só não são suficientes para atender os estudantes quilombolas que passam por dificuldades financeiras e acadêmicas quando ingressam na universidade. De fato não há uma preparação para estarem no ambiente acadêmico, causando o adoecimento, e fragilidade emocional. Há aqueles que se encontram em grupos de amigos e familiares, há quem encontre na Pró Reitoria de Assuntos Estudantis, mais que assistência.

Policromias quentes: a Mesoamérica em paisagens multicoloridas

Alexandre Herbetta

Este ensaio fotográfico é resultado de estância pós-doutoral no México, onde busquei entender processos de formação vinculados à interculturalidade e a a autonomia. Ele é resultado especificamente de um período de exploração da região mesoamericana, marcantemente plural, dos pontos de vista cultural, linguístico, paisagístico, biológico e epistemológico. Há imensa diversidade de populações, espécies, paisagens, línguas e cores.

Chama muito a atenção a presença e composição de cenários coloridos, com destaque para tons brilhantes e saturados. Tais tonalidades estão na arquitetura, tecidos, ruas, corpos, alimentos, lugares e oferendas, desde tempos pré-hispânicos. Desde então, por meio de minerais, madeiras, animais e vegetais, se desenvolveu uma série de técnicas de produção de tinturas coloridas, com destaque para cores quentes. Para Galarza (1990) a policromia sempre foi importante nas composições indígenas.

Neste ensaio por meio da “fotografia de rua”, com câmera digital, busco pensar na característica das cores, para além de seu aspecto representacional, de lugares e identidades. Penso na capacidade em mobilizar ações e pessoas, em produzir vida social, em agenciar situações, conforme reflete Gell, quando fala de arte (termo usado desde uma perspectiva eurocêntrica). Para ele, devemos estar atentos à capacidade de se ativar relações, mobilizar eventos, ao contrário de concepções essencialistas. Ao mesmo tempo, devemos problematizar categorias hegemônicas como arte e, no caso, cores.

Em Náuhtl, por exemplo, apenas uma das línguas indígenas mexicanas, falada por povos Mexicas, o termo para estes pigmentos é Tlapalli (Torres, 2016), que pode ser traduzido como “pintura de cores” ou ser identificado com o vermelho (Gutierrez; Galvan, 2002). Para os Otomi, o termo utilizado para os pigmentos é “Matheni” que pode ser entendido como “fazer cores” (Urbano, 1990). Muitas vezes, inclusive, o termo que designa a tonalidade aponta efetivamente para uma qualidade relacional do pigmento, como quando se refere a tonalidades frias, “xi ntse” e quentes, “xi mpa”, em Otomi, que nomeiam distintos elementos (Fliert, 1988). Um mesmo termo pode, também, designar a categoria geral: cor e ao mesmo tempo uma cor específica, como “Kuhu”, termo para a noção geral e para a cor verde/azul-escuro, rompendo com noções eurocentradas sobre o conhecimento, que não admitem contradições, como postula Cusiquanqui (2018) em seu estudo sobre a categoria Ch’ixi entre os Aymará na Bolívia.

Nesta pluripaleta de cores, algumas cores se destacam e aparecem constantemente nas imagens apresentadas neste ensaio. O vermelho é amplamente usado em distintas matizes e saturações, como entre os “voladores” de Papantla junto ao azul do céu. A cor rosa é marcante em alguns lugares, como na capital, quando em matiz mais escura, como um magenta, é constantemente observada em lugares da vida cotidiana, como nos meios de transporte urbano. Aparece também em vestimentas totonacas da Serra Norte de Puebla em matizes mais claras e brilhantes. Na maioria das imagens predomina, em realidade, um jogo entre várias tonalidades, que criam situações e paisagens multicoloridas, com cores primárias, secundárias e terciárias, como amarelo, azul, laranja, vermelho, violeta, roxo, e suas variações, como se pode ver na cidade de Huehetla, em Puebla de Zaragoza, nos mercados de Oaxaca ou nas ruas de Xalapa.

As imagens aqui apresentadas buscam expressar, assim, por um lado, a pluralidade e vitalidade das cores que marcam a vida mesoamericana, apresentadas nas imagens em relações cromáticas análogas e complementares. Buscam também ressaltar a característica vibrante ou quente da paleta cromática em tela. Em seguida, expressam outras perspectivas epistemológicas sobre a produção de pigmentos e, por fim, nos fazem pensar no caráter intencional da policromia, refletindo sobre a possibilidade de uma “composição cromática”, que é agente, mobilizando situações.

Neste caso, estas imagens propõem que o uso das cores e suas relações, não se dão por acaso, são fruto de um processo de construção histórico, social e político, que por meio de pigmentos, suas produções e relações, identifica, mobiliza e relaciona, dando movimento à vida social mexicana.

São João Batista, ele é Xangô

Álvaro Banducci Júnior e Luciana Scanoni Gomes

Nas cidades pantaneiras de Corumbá e Ladário, em Mato Grosso do Sul, o São João é tradicionalmente celebrado pelas comunidades locais com o ritual do Banho do Santo. Trata-se de uma celebração centenária que se distingue por reunir dezenas de cortejos com imagens de São João dispostas em andores que dirigem-se das casas e templos até o rio Paraguai para, em suas águas consideradas sagradas na passagem do dia 23 para 24 de junho, proceder ao ritual de ablução das imagens do santo.

 

Sincretizado como o Orixá Xangô, São João é celebrado tanto nas casas católicas quanto nos templos umbandistas e candomblecistas, que levam suas imagens para o Banho no rio. Nas ladeiras que conduzem ao porto de ambas as cidades, os andores são recebidos pela comunidade com o mesmo carinho e respeito, pois trata-se ao mesmo tempo de um Orixá e de um santo milagreiro de grande devoção local. Na manhã do dia 23 de junho, que precede o aniversário de São João, os andores mesmo de matriz afro-brasileira costumam ser levados a igrejas católicas para receberem a benção, indicando que o diálogo religioso tende a ser próximo em se tratando da devoção ao santo mais popular dessas cidades.  

 

Os andores dos templos candomblecistas e umbandistas tradicionalmente descem ao rio sem grandes evidências que indiquem sua origem religiosa. À exceção da decoração das charolas, que trazem detalhes característicos de Xangô, como cores e sinais que o distinguem, ou ainda pela presença de outros santos da mesma forma com ele sincretizados, tais como Santo Antônio, São Jerônimo e São Pedro, esses andores, aos olhares menos acostumados, pouco se diferenciam daqueles de origem católica.  

 

Nos últimos anos, entretanto, os cortejos provenientes dos templos umbandistas e candomblecistas têm destacado, de forma cada vez mais evidente, seu pertencimento religioso mediante a exibição de símbolos particulares e práticas de possessão durante os cortejos ao rio. Assim é que alguns andores têm sido acompanhados por atabaques e cantos diretamente endereçados a Xangô – “Meu pai São João Batista ele é Xangô. Senhor do meu destino até o fim...” – que se intercalam à ladainha tradicionalmente entoada a São João – “Se São João soubesse, que hoje era seu dia...”. Outros ainda trazem vestimentas próprias dos rituais afro-brasileiros, camisetas indicando a tenda religiosa ou mesmo, de forma marcante, procedem a giras de preto velho, como acontece com Pai Amilton, Babalorixá do Instituto Afro-religioso Cultural Axé Lacum, que desce incorporado a ladeira Cunha e Cruz até o Porto de Corumbá, onde procede ao Banho, dá passes e realiza iniciações sob o olhar atento do público presente. 

 

As imagens que compõem essa série buscam retratar esse momento recente de visibilidade e de ocupação de espaço simbólico dos adeptos das religiões de matriz afro-brasileira nos festejos de São João de Corumbá e Ladário.

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